Economia em Tempos de Crise: Panorama e Perspectivas Iniciais


A contaminação de seres humanos com o coronavírus SARS-CoV-2, provocou o surgimento da doença chamada COVID-19, uma doença epidêmica, que foi considerada pandemia pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020. A gravidade da COVID-19 está relacionada a vários fatores e seus impactos sobre a vida das pessoas se dá de diversas formas. Neste texto vamos apresentar um panorama geral de aspectos ligados a crise sanitária e a crise econômica que são, a primeira vista, os principais impactos de, curto prazo, desta pandemia sobre as atividades humanas. Tentaremos também indicar algumas perspectivas futuras, que já vem sendo ponderadas por especialistas em saúde pública e economia, acerca destas duas crises, que na verdade são facetas de um mesmo problema.


A Crise Sanitária


A crise sanitária talvez seja o aspecto primeiramente percebido e o que causa os maiores receios tanto entre a população, quanto entre os governantes envolvidos com medidas de prevenção e de correção da crise. Estes receios relacionam-se, em especial, ao fato de não se ter conhecimento sobre este coronavírus. Importante destacar que apesar dos coronavírus serem conhecidos pela ciência há algumas décadas e de alguns já terem causado outras pandemias (como a SARS de 2004), todas as informações sobre o SARS-Cov-2 estão sendo desenvolvidas em paralelo a ocorrência da pandemia. Isso implica em não se ter medicamentos específicos para o tratamento da doença e numa grande dificuldade no desenvolvimento de uma vacina, que possa ser usada como prevenção. Estes fatos são agravados pelos sintomas da COVID-19, que podem não ser percebidos, mas que podem levar a pessoa a morte, de várias formas distintas, em seus casos mais graves.
A forma de contágio da doença, que ocorre via contato com uma pessoa contaminada (um aperto de mão, um espirro, um beijo, um abraço, por exemplo, podem ser meios de contágio) ou via contato com uma superfície contaminada (tocar um corrimão, um botão de elevador, uma maçaneta, a alça de uma cesta de supermercado, por exemplo, podem ser meios de contágio) e a rapidez com que se propaga (um contaminado pode contaminar até outras 10 pessoas) exigem medidas preventivas que atingem todas as pessoas. Isso fica agravado quando sabemos que 80% dos contaminados com COVID-19 podem ser assintomáticos. No entanto, mesmo sem sintomas os contaminados podem contagiar outras pessoas. Os 20% que apresentam sintomas,  podem necessitar atendimento hospitalar por apresentarem importante dificuldade respiratória. Os casos mais graves podem necessitar atendimento em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).

Neste cenário temos, por um lado o fato de que esta pandemia tende a fazer uma grande pressão sobre o sistema de saúde das cidades, uma vez que é uma causa adicional de demanda por atendimento médico hospitalar. Por outro lado, o conhecimento ainda restrito sobre seu tratamento e a grande potencialidade de contaminação demandam medidas importantes como o afastamento social, como forma de desacelerar a contaminação e dar tempo para que a rede hospitalar e os estudos científicos melhorem a capacidade de atendimento dos que adoecem com a pandemia. Voltaremos a este ponto daqui a pouco.
Importante destacar que estudos vem sendo feitos sobre potenciais tratamentos medicamentosos, a partir do teste de medicamentos já conhecidos, buscando definir as alternativas mais eficientes. Outros estudos são feitos buscando novos tratamentos, específicos para o enfrentamento do COVID-19. Grande parte do esforço está focado em encontrar tratamentos que contribuam na redução de tempo que um paciente grave necessita de um leito de UTI (o que pode chegar a 3 semanas).
Outro esforço coletivo que merece destaque é o desenvolvimento de uma vacina específica para a prevenção da COVID-19. No entanto, as melhores perspectivas indicam que isso deve se tornar viável apenas ao final de 2021. O processo de desenvolvimento de vacinas é lento e exige uma série importante de testes antes de conseguir-se comprovar sua eficácia e minimizar efeitos colaterais que possa causar. A vacina mais rápida já desenvolvida pela ciência humana levou 5 anos para estar disponível à população. Então, mesmo com um esforço coletivo de governos, empresas e cientistas, uma vacina é uma solução ainda distante para a crise sanitária ocasionada por esta doença.
No meio de todos estes problemas e das limitações ainda existentes para o tratamento efetivo dos sintomas e para a prevenção da doença, poucas são as alternativas existentes para se poupar vidas durante a pandemia. O distanciamento social vem sendo usado como uma alternativa importante, neste sentido, no mundo inteiro. As formas de distanciamento social adotadas variam de acordo com a gravidade da pandemia e com as estratégias definidas pelos governantes em relação ao controle do contágio. Podem ter num formato pautado no convencimento das pessoas acerca de sua necessidade, podem restringir-se a isolar os contaminados, mas pode chegar a formatos mais impositivos, acompanhados de multas e detenções daqueles que não respeitam as regras impostas pelas autoridades (neste caso chamado de bloqueio total ou lockdown em inglês).
A escolha sobre a melhor forma de distanciamento social e sobre os momentos em que é necessário maior ou menor restrição de convívio, dependerão de dois fatores: comportamento da curva de contaminação e disponibilidade de estrutura hospitalar para atendimento dos contaminados. Em relação à curva, o distanciamento social pode ser menos restrito quando esta estiver em sua fase descendente (ou seja, quando o número adicional de contaminados já estiver com comportamento decrescente), devendo ser mais restrito na fase de expansão da epidemia. Quanto à estrutura hospitalar, isso é medido em relação a taxa de ocupação dos leitos, em especial daqueles destinados ao tratamento intensivo. Outro aspecto que contribui fortemente para as decisões sobre a intensidade necessária de distanciamento social, diz respeito a testagem dos doentes e identificação da rede de relações deste, o que leva à identificação de possíveis contaminados e o isolamento destes, para frear a velocidade de contaminação em determinado espaço geográfico.
Importante dizer que as medidas necessárias para reduzir o impacto da crise sanitária sobre a saúde da população têm como consequência imediata uma modificação das relações econômicas previamente estabelecidas. É o que vamos abordar no próximo tópico.


A Crise Econômica


As modificações observadas nas relações econômicas são de várias formas. Por um lado impactam nos volumes de demanda, que tendem a cair drasticamente, principalmente no setor de serviços (restaurantes, hotéis, transporte, entre outros). Por outro, pela necessidade de suspensão de atividades produtivas não essenciais, para ajudar no distanciamento social, são reduzidos volumes de produção e, consequente de comercialização. Por conta de ambos os movimentos, reduz-se expressivamente a capacidade de receita das firmas e sua condição de honrar compromissos (dentre os quais a folha de pagamento).
Dentre as atividades que mais sofrem impacto imediato da crise sanitária estão as atividades informais, os autônomos e as micro e pequenas empresas. Este conjunto de pessoas e empresas geralmente não possuem reservas suficientes para suportar o período em que ocorrem as mudanças na dinâmica de demanda. Isso implica em restrição de renda para as pessoas (quando não a suspensão total da capacidade de geração de renda) e em restrição de receita para as firmas. No caso das firmas, outra consequência observada é a demissão de trabalhadores, a fim de reduzir os custos e ampliar o tempo que se suporta o empreendimento no período de crise. A demissão de trabalhadores também pode ser observada entre empresas de maior porte. Tais movimentos provocam reações em cadeia no sistema econômico, que passa a viver uma crise sistêmica com uma tendência a recessão (desaquecimento do sistema econômico por algum tempo) ou depressão (longo desaquecimento do sistema econômico, acompanhado de fechamento de firmas e ampliação drástica do nível de desemprego).  
Outro movimento observado na economia é uma mudança dos fluxos de comércio, tanto dentro dos países, quanto entre países, como também uma mudança nos tipos de produtos comercializados, com aumento de pressão de demanda sobre aqueles relacionados a estrutura hospitalar (leitos, respiradores, máscaras, luvas, entre outros) e aqueles oriundos da indústria farmacêutica. Este movimento em especial evidencia o problema oriundo da concentração de fornecedores em poucos países e da competição desleal para acesso aos produtos que se tornaram escassos diante do aumento expressivo de demanda.  
Esta crise, dada a sua amplitude, gravidade e característica, dificilmente é resolvida através dos mecanismos de mercado defendidos pelos adeptos do liberalismo econômico. Mesmo entre aqueles economistas ditos liberais emerge a sinalização da necessidade de presença do Estado na economia para ajudar a amortecer os impactos da crise, protegendo as camadas mais frágeis da população e criando mecanismos de apoio às empresas e setores mais expostos à dinâmica imediata da crise.
Neste âmbito, destacam-se os governos que cedo entenderam a gravidade da pandemia, a importância do conhecimento científico gerado sobre o SARS-Cov-2, implementaram os cuidados sanitários recomendados pela Organização Mundial de Saúde e elaboraram conjuntos de medidas articuladas para proteger os diversos âmbitos do sistema econômico. Os objetivos destes governos coincidem: salvar vidas, preservar empregos, garantir renda mínima, preservar estruturas produtivas, evidenciando um chamamento a sociedade no sentido de entender seu papel e a necessidade de medidas coletivas em prol da preservação dos indivíduos e de suas estruturas.  Em paralelo a estes temos governos que optam por negar a crise sanitária e sua gravidade e quanto atropelados pela realidade cruel dos fatos apresentam medidas fragmentárias e simplistas que mais agravam a realidade da população e das empresas mais frágeis, do que contribuem para sua proteção.
Neste países, a crise gerada pelo problema sanitário evidenciou a fragilidade das empresas, as consequências da fragilização das relações trabalhistas, a desarticulação dos governos em relação às demandas nacionais. Evidenciou em especial a incapacidade de governos autoritários lidarem com problemas complexos e priorizarem vidas em detrimento das batalhas diárias que criam para sustentar-se no poder. Usam a desinformação e a expectativa de soluções mágicas como forma de esconder a própria incompetência, enquanto acumulam-se perdas de vidas, de histórias, de amores, de sonhos. Evidenciam a grande crise de civilidade em que seus países estão inseridos e nos fazem questionar que fatos históricos construíram esta realidade.
A normalidade foi para sempre afetada. O que se apresentará como normal pós pandemia deve sofrer os impactos de todos os problemas enfrentados ao se buscar medidas para superá-la. Muito provavelmente os fluxos internacionais de comércio devem retrair-se, como acontece em períodos pós-crise. Com isso a produção local deve ganhar ênfase, ocupando espaço mais relevante no atendimento dos mercados internos. Por outro lado, pode ser esperado um esforço maior dos países na relocalização de seus setores produtivos industriais (ou ao menos parte deles), a fim de reduzir a dependência de importações. No curso prazo, é esperada uma mudança de comportamento no consumo de serviços, principalmente porque as medidas de distanciamento social intermitente, devem fazer parte da nova normalidade mundial, ao menos até que se tenha um tratamento eficiente ou uma vacina para a COVID-19.
Dentro das expectativas desta nova normalidade, quem sabe esta grande crise contribua para que a humanidade avance enquanto civilização, encontrando soluções mais humanitárias, igualitárias, colaborativas, ambientalmente prudentes e socialmente responsáveis para os problemas decorrentes desta pandemia. Quem sabe o conhecimento, a solidariedade, a verdade possam ser valores cultivados por mais pessoas, a ponto de se tornarem o novo normal.


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Referências
BBC News. Cidades dos EUA que usaram isolamento social contra gripe espanhola tiveram recuperação econômica mais rápida, diz estudo. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52075870>. Acesso em: 29, maio, 2020.
BBC News. Covid-19 expõe dependência de produtos de saúde fabricados na China. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52465757>. Acesso em: 29, maio, 2020.
MOURA, A. S., LUNARDI, R. Endemias e epidemias: dengue, leishmaniose, febre amarela, influenza, febre maculosa e leptospirose. Belo Horizonte: Nescon/UFMG, 2012. Disponível em: <https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/3285.pdf>. Acesso em: 29, maio, 2020.
O GLOBO. Pandemia dificulta importação de insumos para medicamentos; Índia já travou entrega de 31 toneladas. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/pandemia-dificulta-importacao-de-insumos-para-medicamentos-india-ja-travou-entrega-de-31-toneladas-1-24346365>. Acesso em: 29, maio, 2020.
TELESSAÚDE RS. Qual a diferença de distanciamento social, isolamento e quarentena? Disponível em: < https://www.ufrgs.br/telessauders/posts_coronavirus/qual-a-diferenca-de-distanciamento-social-isolamento-e-quarentena/> Acesso em: 29, maio, 2020.


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