Geração COVID e o Mercado de Trabalho: Observações Iniciais

A pandemia de Covid-19 impôs ao mundo uma severa redução no ritmo da atividade econômica devido às medidas sanitárias adotadas para conter o avanço da doença. Com isso, grande parte da população perdeu seu trabalho ou suas fontes de renda, mas diferentes grupos da população foram afetados pela redução do emprego ou das disponibilidades de fonte de renda de diferentes formas. Esse texto procura sintetizar quais as consequências da crise do Covid-19 sobre a população jovem, bem como vislumbrar caminhos possíveis para amenizar seus impactos.

Um estudo realizado por pesquisadores do Reino Unido indica que os jovens serão o grupo mais afetado pelas consequências de longo prazo da crise econômica desencadeada pela pandemia de Covid-19. Conforme estes pesquisadores, jovens com 25 anos ou menos formam uma geração que será marcada de forma desproporcional e permanente, à medida que os efeitos sobre sua educação formal e as oportunidades a que terão acesso no início da carreira profissional são comprometidas. O termo utilizado para se referir a esse grupo é “Covid Generation”, ou, em tradução livre, Geração Covid (MAJOR; MACHIN, 2020).

O cenário mundial de emprego para os jovens já não era animador: de acordo com relatório recente da Organização Internacional do Trabalho, a taxa de desemprego para trabalhadores de 25 anos ou menos já era três vezes a taxa geral de desemprego mesmo antes do início da crise do coronavírus. De um modo geral, as mulheres jovens formam o grupo mais afetado, apresentando as maiores taxas de subutilização no mercado de trabalho, incluindo aquelas que desistiram de buscar por trabalho (ILO, 2020).

Além do desemprego, há outros aspectos a serem considerados. O trabalho juvenil apresenta altos índices de informalidade. Grande parte dos jovens trabalha por conta própria ou sem o amparo de contratos formais, e por isso estão mais vulneráveis a piores condições de trabalho, não contam com representação formal ou proteção nas relações de trabalho, o que os torna mais suscetíveis à perda do emprego e da renda em casos de choques econômicos como o imposto pela Covid-19. Além disso, já que são empregados em ocupações com baixa remuneração, os jovens também têm menores condições de poupança (ILO, 2020).

No Brasil, a crise do coronavírus atingiu os jovens em um momento particularmente sensível. O cenário no país era de redução do fluxo de atividade econômica desde os anos 2013 e 2014, com crescimento de 33% no número de jovens que entraram no desemprego. As medidas sanitárias necessárias à contenção da pandemia levaram à redução ainda maior do nível de atividade econômica e à nova onda de demissões, fazendo com que mais de 1 a cada 4 jovens brasileiros (27,7%) estivessem desempregados no primeiro trimestre de 2020 (CACCIAMALI; TATEI, 2017; VILLAS BÔAS; SARAIVA, 2020).

Especialistas afirmam que a crise deflagrada pela pandemia de Covid-19 impõe aos jovens choques que não se restringem às demissões. Setores que empregam muitos trabalhadores jovens foram alguns dos mais atingidos pelas medidas sanitárias de isolamento social. As atividades de serviços e hospitalidade, por exemplo, possivelmente terão de atender a restrições sanitárias no atendimento ao público por um período prolongado, de modo que nem todos os trabalhadores dispensados serão chamados de volta ao trabalho em uma retomada econômica. Nesse cenário, surgem maiores obstáculos à entrada dos jovens no mercado de trabalho e à busca por melhores oportunidades de emprego (MAJOR; MACHIN, 2020; ILO, 2020).

Além disso, a interrupção nas atividades de educação e treinamento de forma massiva pode levar a perdas no processo de aprendizagem difíceis de serem recuperadas. Os impactos são mais graves aos jovens de países e/ou regiões de menor renda, e, da mesma forma, mulheres e grupos étnicos minoritários são afetados também de forma desigual. Alguns destes jovens acreditam que terão de abandonar de forma definitiva os estudos. Com esses múltiplos choques, os jovens se tornam mais vulneráveis a desenvolverem problemas de saúde mental como ansiedade e depressão (MAJOR; MACHIN, 2020; ILO, 2020).

Os impactos têm efeito a longo prazo. Estudos indicam que essa geração de trabalhadores terá menor possibilidade de mobilidade social devido ao aumento nas desigualdades no acesso à educação e oportunidades na economia. Da mesma forma, o cenário é de tendência à redução na produtividade geral na economia pela perda de capital humano, aumento na desigualdade e concentração de renda. Diante disso, pensar saídas para a crise deve não só considerar os problemas relacionados à pandemia no curto prazo, mas também no sentido de reduzir consequências de longo prazo sobre a Geração Covid (MAJOR; MACHIN, 2020).

Contudo, a Geração Covid não é um grupo homogêneo. Conforme discutido, diferentes características sociodemográficas marcam a experiência dos indivíduos de formas específicas. Há desigualdades de gênero, etnia, renda, e essas desigualdades têm implicações importantes. As possíveis respostas à crise, portanto, não serão as mesmas para todos os indivíduos desse grupo que, se bem compartilham algumas tendências com relação ao trabalho, sofrem consequências diferentes no plano individual.

Aqueles jovens com melhor renda e um nível educacional maior terão melhores oportunidades para competir por uma realocação no mercado de trabalho. Esses jovens devem estar atentos às necessidades do mercado de trabalho por pessoas capacitadas a realizar funções associadas à tecnologia da informação. Os chamados nativos digitais poderão competir por esses espaços no mercado de trabalho pós-pandemia, já que muitas empresas devem mudar de forma permanente seus processos (VILLAS BÔAS; SARAIVA, 2020).

No entanto, essa pode não ser a solução para jovens de menor escolarização, mulheres e jovens pertencentes a etnias discriminadas. A esse grupo as soluções necessitam ser pensadas através de políticas macroeconômicas formuladas a partir das necessidades desses trabalhadores e setores produtivos (ILO, 2020; MAJOR; MACHIN, 2020). Deve-se sobretudo ter em mente que, sem bem que pareça desafiador vislumbrar caminhos para a saída desta crise, outras gerações também tiveram de enfrentar crises de grandes proporções. Momentos críticos representam oportunidades para novas formas de pensar e agir, das quais emergem soluções coletivas em direção à construção de uma nova sociedade.


Autora

Camila dos Santos Pinto


Referências

CACCIAMALI, Maria Cristina; TATEI, Fabio. Impacto do Desemprego e da Informalidade sobre a Empregabilidade e a Renda Futura do Jovem. In: Boletim Regional, Urbano e Ambiental. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2017.

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. International Labour Organization, 2020.

MAJOR, Lee Elliot; MACHIN, Stephen. Covid-19 and social mobility. CentrePiece Magazine, v.25, n.2, 2020.

VILLAS BÔAS, Bruno; SARAIVA, Alessandra. Crises em série e covid elevam o desemprego entre jovens. Valor Econômico. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://valor.globo.com /brasil/noticia/2020/06/15/crises-em-serie-e-covid-elevam-o-desemprego-entre-os-jovens.ghtml> Acesso em 20 de julho de 2020.


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