As Relações Econômicas e Sociais em Tempos de Pandemia

    A pandemia da COVID-19 modificou o cenário global, sendo caracterizada como uma crise sanitária, que evoluiu para uma crise econômica de dimensões inimagináveis. No Brasil, como em outros lugares do mundo, para conter a disseminação da doença, medidas de distanciamento social foram adotadas. As restrições na circulação das pessoas, fechamento de estabelecimentos e postos de trabalho são reflexos da diminuição na mobilidade urbana que, consequentemente, levou à redução no consumo de diversos bens e serviços e ao aumento do desemprego, contribuindo para a retração no nível de crescimento da economia. Esse panorama impõe novos obstáculos para o país na sua busca por desenvolvimento, tanto no âmbito econômico como no âmbito social. O presente ensaio, busca discutir alguns pontos relacionados ao desenvolvimento econômico e a aspectos de ordem humana e social, bem como indicar perspectivas de desenvolvimento pós-pandemia.

Importante iniciar indicando que a não adoção imediata das recomendações de especialistas em saúde pública, a saber: evitar o contato social, a utilização de máscara, higienização adequada, entre outras medidas, contribuiu para o agravamento da crise sanitária no Brasil. Se por um lado, as autoridades em saúde recomendavam estas medidas, com o intuído de salvar vidas, por outro, ficou nítida a desarticulação entre as ações de âmbito federal e aquelas adotadas nos estados e municípios. Mesmo entre esses últimos foi possível perceber um conflito de interesses, com municípios pressionando os governos dos estados para a retomada das atividades econômicas, com abandono das medidas de distanciamento, visando o reaquecimento das economias locais. Foi possível observar como consequência, em vários locais, a sobrecarga no sistema de saúde, com lotação de UTIs e espera para o atendimento de serviços funerários. Onde a articulação entre estado e municípios foi mais harmônica, foi possível ampliar o atendimento de saúde e suavizar a curva de vidas perdidas até este momento da pandemia, bem como retomar atividades econômicas de forma organizada e com acompanhamento de medidas de saúde preventivas. Neste contexto, o objetivo deste ensaio é discutir questões relativas a retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento brasileiro no pós-pandemia, enfatizando alguns aspectos das relações econômicas e sociais do país. 

Importante iniciar dizendo que a consequência da adoção pobre das medidas de proteção e da desarticulação de medidas adotadas, na saúde e na economia, entre União, estados e municípios, é uma expectativa de retomada econômica bastante lenta no Brasil. Isso pode ser explicado pelo longo período de distanciamento social (que neste momento já somam 7 meses), pela ineficiência das medidas e pelo receio da população em retomar suas dinâmicas mais regulares de relações econômicas e sociais. Também pode ser explicado pelo grande número de empresas de pequeno porte que fecharam durante a pandemia (lembrando que são estas as responsáveis por grande parte da mão de obra empregada no país), pelas perdas de dinamismo no setor de comércio e serviços (em especial o turismo), pelo consequente aumento do nível de desemprego no país e pelos limites de geração de renda entre os profissionais liberais, autônomos e informais (os quais dependem muito da circulação de pessoas e do consumo de serviços). Uma retomada lenta significa levar-se mais tempo para a geração de emprego e renda na economia.

A partir desta perda de dinâmica econômica e da consequente demora na retomada da geração e acumulação de riquezas, pode-se esperar um lento processo de retomada do desenvolvimento do país. Isso ocorre porque é a partir do crescimento econômico que se gera a riqueza necessária para a articulação do desenvolvimento da nação. Todo o investimento em ciência, saúde, educação, cultura, preservação ambiental e infraestrutura, que dependam de políticas públicas, e todo o investimento produtivo, seja em ampliação de atividades existentes, adoção de inovações tecnológicas, ou criação de novas atividades econômicas, dependem de acumulação de renda, que gere poupança, que possa gerar investimento (público e privado). Desenvolvimento então, para fins desta discussão, é entendido como algo maior do que o crescimento econômico, devendo ser percebido pelas mudanças estruturais, melhorias da qualidade de vida e melhoria das ações de preservação do meio ambiente, que em seu conjunto levem uma sociedade para mais perto dos objetivos políticos por ela traçados.  Trata-se de um tema complexo, o qual envolve interações de múltiplos fatores e que ultrapassa a geração de renda e não podendo ser resolvido com soluções lineares.

Neste contexto, a fragmentação e ampliação do conceito de desenvolvimento, desde a década de 1990, assim como os novos dilemas da inserção internacional dos países, a dicotomia entre ricos e pobres, o problema do desemprego, a reforma do Estado e a complexidade de sua gestão, são parcelas de uma questão maior: o que se almeja para a sociedade no futuro? É possível dizer que existe uma convergência quase universal em torno de valores relacionados à ordem ou segurança interna, paz e autonomia Nacional, liberdade (de pensamento, garantia dos direitos civis, liberdade de participar da escolha dos governantes), justiça social e proteção ao meio-ambiente como sendo os grandes objetivos políticos de longo prazo buscado pelas nações. A partir disso, compreende-se o desenvolvimento também como um tema político. O desenvolvimento de uma nação também depende de sua história, de sua cultura, de suas instituições, da geopolítica de poder a que está submetido e de como exerce sua autonomia nacional. Escolher um caminho para o desenvolvimento requer reconhecer forças e fraquezas e fazer escolhas a partir destas (CARDOSO, 1995; BRESSER-PEREIRA, 2008). 

Dado que as crises econômicas potencializam a desigualdade e a assimetria de renda nos países, um dos pontos fundamentais que precisa ser promovido, na busca por desenvolvimento, é a redução das desigualdades sociais, isso vale para a retomada pós-pandemia. Em 2019, o Brasil detinha a segunda maior concentração de renda do mundo, segundo a pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no Relatório do Desenvolvimento Humano, os 1% mais ricos concentravam 28,3% da renda total do país. O Brasil esteve somente atrás do Catar no ranking, onde a taxa é de 29% (PNUD, 2019). Essa lamentável estatística expõe a extrema concentração de renda e as desigualdades sociais ainda existentes no Brasil e que devem ser agravadas pelo período de crise em curso. Neste contexto, vale resgatar que, segundo Stiglitz (2016), o ambiente político e histórico de vários países acabaram moldando o mercado, proporcionando vantagens para quem está no topo do sistema econômico, ou seja, para a parte mais rica da população, em prejuízo do restante da sociedade, ao passo de propiciar a acumulação de riqueza para essa pequena parcela da população. É possível perceber que esse aspecto observado pelo autor, encaixa-se perfeitamente para a realidade brasileira, pois de forma estrutural, a concentração de renda se perpetua. 

Diante disso, a saída sinalizada pelo autor perfaz que qualquer sistema econômico deve possuir regras e regulamentações para operar dentro de uma estrutura legal. Porém, se essa estrutura legal estiver organizada de forma a beneficiar a elite social e econômica de um determinado país, gerará consequências para a distribuição da riqueza, crescimento e estabilidade, pois fomentará um sistema econômico ineficiente e injusto. Logo, torna-se fundamental para que o arranjo econômico e social funcione adequadamente, uma correção dessa estrutura desde a base para o topo, pois do contrário acabaria gerando crises não só econômicas, mas também crises sociais (STIGLITZ, 2016). Aqui cabe ressaltar o importante papel que pode desempenhar a reforma tributária, em desenvolvimento no Congresso Nacional, como corretiva destas distorções. Trabalhar um sistema tributário mais simples e eficiente e que trate das questões de renda e riqueza na perspectiva de reduzir desigualdades pode cumprir um duplo papel: contribuir para a dinâmica econômica na retomada, uma vez que pode vir a incentivar novos investimentos produtivos no Brasil, inclusive internacionais; contribuir para a correção do atual sistema tributário que faz pesar sobre a população de menor renda grande parte da arrecadação feita pelo comércio de bens e serviços (incluindo alimentos). Por isso, uma maior contribuição da parcela mais rica da população é requerida, para diminuir as desigualdades e aumentar as oportunidades para todos, o que se configura em maior justiça distributiva. 

Outro aspecto a ser considerado está relacionado à maior ou menor participação do Estado na economia, a finalidade dessa participação e a forma como as instituições formais (leis e normas) vão se moldando, inclusive no ambiente político. Estes, podem acabar a serviço da elite perpetuando a concentração de renda e de riqueza. Entretanto, para Acemoglu e Robinson (2012), desde que bem moldados, o sistema político e econômico podem contribuir para a melhoria do padrão de vida da sociedade, diminuindo desigualdades e ampliando a qualidade de vida. Porém, se moldados de forma a privilegiar um determinado grupo em detrimento de outros, tornam-se instituições extrativistas e, portanto não conseguem levar o país a uma condição de desenvolvimento. 

Como exemplos de mudanças institucionais que estão em curso e que podem causar prejuízos para a retomada da economia, no Ministério do Meio Ambiente, há a flexibilização das políticas ambientais contra o desmatamento da Amazônia, modificando todo o regramento e simplificando normas ambientais, bem como, o congelamento de verbas destinadas à preservação ambiental. Conforme os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Amazônia Legal perdeu 1.499 km² de área de floresta, o desmatamento, é o maior em dez anos no país. Em comparação com o mês de agosto do ano passado, os satélites registraram um aumento de 68% na devastação. Ao todo, nos primeiros oito meses de 2020, foram desmatados 5.190 km² de mata nativa na Amazônia, 23% a mais do que no mesmo período do ano passado (IMAZON, 2020). Outro exemplo importante advém do Ministério da Agricultura, com o aumento vertiginoso de registros de agrotóxicos, pesticidas e substâncias tóxicas aprovadas, as quais são proibidas em outros países. Devido a isso, alguns países ameaçaram o Brasil, afirmando que deixariam de comprar produtos agrícolas, e organizações como o Greenpeace, mostraram-se preocupadas, declarando não haver estudos técnicos sobre algumas combinações desses componentes. Este cenário pode complicar a retomada do crescimento econômico do país, porque obstaculiza a entrada de investimento externo direto, além de comprometer dinâmicas de exportação. 

Outro fator importante que se estabelece como obstáculo para o crescimento e desenvolvimento do país é o desemprego elevado. Com os efeitos da pandemia, o segundo trimestre de 2020 termina com a taxa de desemprego de 11,8%, atingindo 12,8 milhões de pessoas, com um valor recorde de desalentados de 5,7 milhões (pessoas que não buscaram trabalho, mas estavam disponíveis para trabalhar) e o menor número de pessoas com carteira assinada da série histórica, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2020). Dada sua importância, o fator trabalho, desde os estudos clássicos sobre teoria econômica, é considerado o elemento gerador de valor tanto para o crescimento, como também para o desenvolvimento da Nação. Uma vez que, o aumento da produtividade do trabalho é o que contribui para o desenvolvimento econômico, ao gerar uma dinâmica benéfica para economia (SOUZA, 2009). No entanto, o cenário atual brasileiro, apresenta o aspecto conjuntural, em que o desemprego cresce devido ao baixo nível de atividade econômica, e quando o país se encontra em uma recessão, o efeito sobre o emprego é muito negativo. De acordo com Harvey (2020), a consequência econômica e o impacto para o trabalho devido à pandemia são elevados, pois expõe a perversidade das políticas neoliberais de sucessivas desregulamentações das relações de trabalho no mundo. Logo, se não houver uma alteração estrutural da atuação dos Estados na economia para a distribuição equitativa das riquezas a sociedade sucumbirá, juntamente com o próprio capitalismo.

Por outro lado, o trabalho tem importante efeito de distribuição de renda e de articulador da demanda por produtos e serviços de diversos setores produtivos, contribuindo para o aquecimento da economia. Não por acaso, a manutenção de emprego e renda dos indivíduos esteve presente nas políticas públicas de superação da crise econômica gerada pela COVID-19 em diversos países. Também nas medidas adotadas pelo Brasil estiveram presentes aquelas que tentam manter renda para as pessoas que perderam seus empregos ou a capacidade de gerar renda a partir de seu trabalho. Infelizmente medidas pensadas para a manutenção dos empregos não tiveram a mesma eficiência. O auxílio emergencial foi uma medida importante para manter a economia em movimento, fomentou o consumo e promoveu a sobrevivência de famílias sem condições de sustentação durante o período de calamidade, porém, essa única medida não está sendo suficiente para a retomada, até então.

Nesse contexto, a teoria keynesiana indica que uma política expansionista de investimento em infraestrutura e consequentemente com dispêndios em políticas sociais geraria um efeito multiplicador, pois se visualiza o potencial de avançar nas estruturas produtivas, de produzir mais, a partir de mudanças na renda e no emprego das pessoas, e que no médio prazo se obteria o retorno fiscal, aumentando a arrecadação (TERRA; FERRARI FILHO, 2016). Diante disso, o melhor ajuste fiscal possível para o momento, não se configura em corte de investimentos e sim na sua ampliação, pois o efeito ao longo do tempo tende a ser positivo do ponto de vista fiscal, evitando um desequilíbrio permanente nas contas públicas. E assim, buscar o pleno emprego, para que se consiga distribuir renda e riqueza via salários na busca de estabilidade para o próprio sistema.

Nessa perspectiva, há um esforço sendo construído pelo Ministério da Infraestrutura na busca pela retomada de investimentos em empreendimentos estratégicos, os quais visam à conclusão de obras públicas inacabadas e de parcerias com o setor privado abrindo novos espaços orçamentários para investimentos em outros empreendimentos estratégicos, com a finalidade de estimular o crescimento econômico após a crise ocasionada pela pandemia da Covid-19. De acordo com o Ministério, mesmo com a agenda de investimentos em infraestrutura, a intenção do governo não é pressionar o teto de gastos, visto como essencial manter o compromisso fiscal. Para isso, os investimentos se encaixariam numa readequação de prioridades e sinergia com outros investimentos privados. Logo, o ponto chave para esse momento é encontrar o equilíbrio entre o alívio eficaz e sustentabilidade fiscal, tornando o segmento mais dinâmico e competitivo, dado que esses investimentos podem ajudar o país nos problemas estruturais de infraestrutura e logística (BRASIL, 2020).  

Essas ações vão ao encontro do pensamento da maioria dos autores sobre desenvolvimento no período pós-guerra, ao considerarem desenvolvimento sinônimo de crescimento econômico que deriva do aumento da atividade industrial e de transformações estruturais dentro das economias. Uma vez que, a indústria é vista como promotora do desenvolvimento devido aos elos que possui na cadeia produtiva com outros setores, bem como na sua agregação de valor. Entretanto, nas economias em desenvolvimento, com industrialização tardia, há entraves ao processo de desenvolvimento via industrialização, e também, dificuldades de acumulação de recursos para financiamento e investimentos. 

Para promover a dinâmica da economia, Hirschman (1961), argumentava que precisaria haver uma estratégia de industrialização desequilibrada, em que os investimentos deveriam ocorrer em setores selecionados, devido a maiores chances de sucesso a partir do investimento. E, além disso, dentre aqueles setores que possuem transações econômicas com outros setores instalados na economia para se gerar um efeito em cadeia. Ou seja, acabaria transbordando o seu sucesso e o seu avanço para todos os setores que possui relações econômicas. Nessa continuidade, o crescimento seguiria uma trajetória descontínua, pois Hirschman (1961), assim como Schumpeter (1997) entendiam que todos os processos econômicos evoluem, mas funcionam em ciclos. Pois, em suas visões, pode-se ter crescimento e decrescimento como processos que se sucedem. Nesse aspecto, os países em desenvolvimento carecem de mecanismos de indução para as inovações tecnológicas e para os investimentos. Então, conforme o autor, esse seria o grande papel do Estado, contribuindo para essa articulação, em especial para que os Sistemas Nacionais de Inovações se estabeleçam e transbordem boas dinâmicas para dentro das estruturas empresariais.

Apesar de haver uma sinalização por parte do Ministério da infraestrutura com propostas para estimular a dinâmica econômica através de investimentos em obras de infraestrutura e logística, como forma de fomentar a dinâmica econômica nesse momento de crise, nos últimos o que se visualiza, de modo recorrente, são os governos brasileiros e suas equipes econômicas possuírem o direcionamento a políticas excessivamente liberais apostando na visão do mercado como solucionador de crises. Há o mito da austeridade como medida para a retomada da confiança e na crença que a própria retomada de otimismo dos investidores traria o consigo crescimento econômico. Infelizmente, é insustentável viabilizar o crescimento econômico apenas pelo ajuste fiscal, com corte de investimentos, como vem sendo adotado pelo Brasil. O Estado dispõe de uma série de mecanismo para construir o seu ajuste fiscal, sem ser via corte de investimento em infraestrutura, saúde, educação, etc. E, também, possui um papel importante em incentivar o empresariado por um marco regulatório, através de incentivos para micro, pequeno e médio empresário, havendo a necessidade de desburocratizar a ação de empreender no país, por uma tarefa multidisciplinar, com rompimento de muros e trabalho em conjunto, unindo competências, o que exige esforços para a construção de saídas para a crise, 

Diante disso, importante destacar mais um aspecto, aquele relacionado a uma recuperação associada à ideia de desenvolvimento que seja inclusivo, ou seja, que permita a grande parte da sociedade apropriar-se de seus resultados. O desenvolvimento econômico para Abramovay (2001), está diretamente relacionado com o modo de organização da sociedade em prol de um objetivo comum na busca de maior eficiência na utilização dos recursos e no aproveitamento das oportunidades que lhe são ofertadas ao longo do tempo. Assim, os arranjos institucionais, o modo de pensar da sociedade acabaria criando um incentivo para que os esforços sejam canalizados em algo que contribua para a elevação das taxas sociais, com o empenho da nação voltados para o próprio desenvolvimento. Logo, no caminhar para desenvolvimento, o país deve abandonar as práticas excludentes e concentradoras, pois são os obstáculos para as nações e devem promover instituições inclusivas, a partir de um esforço nacional, com boas práticas, através de um ciclo virtuoso. Para isso, as instituições precisam ser fortes, consolidadas, atribuindo ao Estado um papel bem estabelecido, sendo a figura central para o processo de mudança estrutural, capaz de fornecer o ajuste necessário, sendo o articulador de forças (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012).

Refletir sobre desenvolvimento diante de um cenário tão incerto se configura em uma tarefa nada fácil. Dado todos os aspectos e cenários que estão sendo projetados, chega ser difícil mensurar qual será o custo humano e econômico ao final. Nesse sentido, torna-se necessária uma política econômica sensível ao momento atual, e um pacote de estímulo fiscal bem elaborado que procure atingir os mais pobres e as microempresas que são as camadas da população mais prejudicadas com a pandemia. Isso incluirá também, a redistribuição da riqueza, uma política fiscal mais justa e reforçar o Estado de bem-estar. Logo, uma política de austeridade fiscal não seja a melhor saída e sim, um planejamento estratégico visando preservar a saúde e a renda das pessoas seja a opção mais plausível. 

Já que, as firmas locais representam o elo mais fraco, devido ao pouco capital de giro para se sustentar durante meses sem receita, e preciso garantir a disponibilidade de recursos em um contexto de crescentes necessidades de capital de giro para enfrentarem o declínio na demanda e a queda nos preços, pois, estão suscetíveis a riscos econômicos elevados em um ambiente de investimentos deprimido. Como tendência nas relações econômicas de forma de superar a crise e promover uma perspectiva para o novo normal, há o fortalecimento do e-commerce, como modo de operar no mercado devido ao distanciamento social. O consumidor tem um papel fundamental no apoio ao comércio local, ajudando na sobrevivência do empreendimento. A divulgação via redes sociais pode ser também, uma aliada para os negócios nesse momento. Os movimentos em prol dessas perspectivas, envolvem a questão da resiliência, na capacidade do indivíduo em se adaptar as mudanças e tirar o melhor proveito delas. Ainda sim, a retomada irá depender do poder de compra da população e do caminhar da pandemia ao longo do tempo. 

Uma mobilização substancial de recursos e a liquidez de curto prazo são essenciais para manter os serviços básicos em funcionamento, preservar a atividade econômica e proteger os investimentos em capital humano. Contudo, apenas recursos financeiros não serão suficientes. De igual importância, será necessária clareza sobre quais políticas públicas serão adotadas para tratar diretamente a dimensão social da crise. O bem-estar social será bem maior se a sociedade como um todo, optar pela cooperação, a ajuda e a solidariedade, compartilhando informações, conhecimento, avanços científicos e soluções inovadoras. 

A crise nos coloca na posição de repensar a economia, a globalização e o capitalismo como um todo em prol de uma sociedade mais sustentável. Os estudos realizados sugerem “projetos verdes”, como uma possibilidade de fortalecer a energia renovável ou eficiência energética. Dessa forma, como ação mais urgente, iniciativas de distribuição de alimentos, principalmente enquanto permanecerem em vigor as medidas de distanciamento social e de desenvolvimento comunitário também podem fazer parte do pacote de políticas de resposta à crise. No cenário internacional, há investidores externos interessados em investir em empreendimentos que possuam orientação ao desenvolvimento sustentável, englobando as questões ambientais, sociais e de governança (ASG), mas esse tipo de investimento poderá ocorrer se o país sinalizar o compromisso com a preservação do ambiente e cumpri-lo efetivamente.  

Vale ressaltar, que as teorias de crescimento e desenvolvimento econômico mostram que não existe uma dicotomia entre Estado e iniciativa privada, entre intervenção ou não intervenção do Estado na economia. Por outro lado, mostram que é preciso combinar esses fatores para, mediante indução, adotar políticas econômicas que favoreçam a infraestrutura, a industrialização, a geração de emprego e renda. E isso não acontece somente por potencial, há a necessidade de desobstruir gargalos na logística e infraestrutura do país. Em consonância com o pensamento de Furtado (2000), o qual buscava um projeto de nação, com a construção de conhecimento diverso em prol de desenvolvimento.

O Brasil detém um potencial enorme dado as suas características, possuindo uma das maiores economias do mundo pelo critério de extensão geográfica, população, PIB, possui autonomia energética como a fóssil e a renovável, bem como a autonomia alimentar e a hídrica, cada vez mais valorizadas e buscadas por outros países. Logo, o país deveria promover a industrialização otimizando suas riquezas, sendo a potência que é no complexo agropecuário, mineral, energético e ainda sim, ser muito forte no serviço, mas isso não ocorre de forma automática, precisa ser construído, através de boas práticas internas e internacionais, baseando-se em teorias e estudos compatíveis com as características do país. 

Diante do cenário exposto, torna-se fundamental restaurar o crescimento sustentável e equitativo, com uma agenda de crescimento baseada no direcionamento do investimento para infraestrutura, inovação de modo a preservar postos de trabalho, mas também o meio ambiente natural, pois o equilíbrio é necessário para própria preservação da vida e do sistema econômico. Disso advém a necessidade de reforma política, pois as falhas do sistema político são absorvidas pelo o sistema econômico, gerando desigualdade, que retroalimenta as falhas. De outro modo, a implementação inadequada de políticas em resposta à crise impacta no aumento dos índices de pobreza, concentração de renda e desigualdade. 


AUTORIA

Mitali Daian Alves Maciel

Debora Nayar Hoff


REFERÊNCIAS

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BRESSER-PEREIRA, L C. O conceito histórico de desenvolvimento econômico. Texto para Discussão EESP/FGV 157, dezembro 2006, 2008. 

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SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Trad. Maria Silvia Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997.

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