Desvelando os mitos do agronegócio brasileiro: reflexões do grupo de estudos GEODes
O agronegócio brasileiro é frequentemente retratado como o grande motor da economia nacional, responsável por alimentar o mundo e gerar riqueza para o país. Contudo, dados e análises críticas desmentem alguns dos mitos que sustentam essa narrativa. Inspirados pelo texto "Tres mitos, tres incómodas verdades sobre el agronegocio brasileño" (Sacco dos Anjos et al., 2024), nosso grupo de estudos discutiu essas contradições, abordando as complexas relações entre produção agropecuária, sociedade e meio ambiente.
Os três mitos do agronegócio brasileiro
O texto examinado identifica três mitos predominantes:
O agronegócio é a riqueza do Brasil.
É um grande gerador de empregos e força de trabalho.
O Brasil é o celeiro do mundo.
Mito 1: "O agro é a riqueza do Brasil"
Esse slogan reforça a ideia de que o agronegócio seria a principal fonte de riqueza econômica nacional. No entanto, os dados mostram que, embora o setor contribua significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB) e as exportações, essa riqueza é altamente concentrada e não se traduz em benefícios para a população como um todo. Por exemplo, de acordo com a FAO (ONU), entre 2019 e 2021, 61 milhões de brasileiros enfrentaram insegurança alimentar, e 15 milhões passaram fome, mesmo com os recordes de exportação de commodities agrícolas.
Mito 2: "O agro gera empregos e ocupa a força de trabalho"
A narrativa de que o agronegócio é um grande empregador no Brasil é desmentida pelo próprio padrão de modernização do setor, caracterizado pela mecanização intensiva e pela redução do uso de mão de obra. Dados mostram que apenas 10% da força de trabalho brasileira está empregada no setor agrícola, e, desses, uma parcela significativa trabalha em condições precárias, incluindo casos de trabalho análogo à escravidão.
Mito 3: "O Brasil é o celeiro do mundo"
A ideia de que o país é responsável por alimentar o planeta ignora o fato de que grande parte das terras agrícolas brasileiras é destinada à produção de commodities, como soja e milho, para exportação, enquanto alimentos básicos da dieta brasileira, como arroz e feijão, precisam ser importados. Essa contradição demonstra a falha do modelo produtivo em atender às necessidades alimentares da população nacional.
Contradições e impactos
O grupo refletiu sobre as contradições internas do setor agropecuário, destacando que ele não é homogêneo. Modelos de produção diferem em escala, tecnologia e impacto social:
Agronegócio monocultural e mecanizado: Voltado à exportação, enfrenta pressões para cumprir barreiras ambientais e sociais internacionais, mas ainda apresenta práticas de exploração laboral e ambiental.
Agronegócio especulativo: Associa-se à grilagem de terras, desmatamento e ocupação extensiva com baixo impacto econômico local.
Agricultura familiar e agroecológica: Apesar de ser responsável pela maior parte da alimentação nacional e pelo desenvolvimento econômico de regiões deprimidas, enfrenta falta de apoio e políticas públicas adequadas.
Questões locais e globais
Os participantes exploraram as nuances da dinâmica local e global do setor. No contexto local, foram abordadas questões como a concentração fundiária e a exploração de trabalhadores rurais em condições análogas à escravidão. Essa dinâmica perpetua desigualdades históricas e reflete um modelo de desenvolvimento que beneficia grandes proprietários e empresas em detrimento de pequenos produtores e comunidades.
Exemplos como a produção de frutas no sertão nordestino, onde trabalhadores raramente consomem os produtos que cultivam, ilustram a desconexão entre produção e justiça social. Além disso, o avanço de energias renováveis, como a eólica e offshore, traz impactos adversos para comunidades locais, incluindo ruídos que prejudicam a saúde e interferências na pesca artesanal. Essas mudanças demandam uma análise mais ampla sobre como o uso dos recursos naturais afeta as populações diretamente envolvidas.
No plano global, foi destacado como a dependência brasileira de exportações de commodities reforça seu papel na divisão internacional do trabalho como fornecedor de matérias-primas. Acordos como o Mercosul-União Europeia ampliam essa dependência, mantendo o país em uma posição subordinada na economia global. Ao mesmo tempo, o desmatamento para produção agrícola e pecuária impacta a biodiversidade e contribui para a crise climática, gerando pressões internacionais.
Novos caminhos para o desenvolvimento
Para superar essas contradições, o grupo discutiu alternativas que passam pela promoção de modelos produtivos sustentáveis, como a agroecologia e a agricultura familiar. Esses modelos não apenas garantem a segurança alimentar nacional, mas também criam empregos locais e preservam os ecossistemas. Experiências como o manejo tradicional de gado no Pampa e o plantio direto foram destacados como exemplos de integração produtiva e ambiental.
Outro ponto levantado foi a necessidade de políticas públicas que incentivem a diversificação econômica em regiões dependentes de monoculturas ou de grandes indústrias externas. Isso inclui apoio à criação de cadeias produtivas locais, agroindústrias e iniciativas que valorizem o terroir e a cultura local, gerando desenvolvimento econômico endógeno e resiliente.
Adicionalmente, a reforma agrária foi apontada como um instrumento essencial para reduzir a concentração fundiária e promover justiça social. A regulamentação do uso da terra, incluindo a definição de áreas específicas para cultivos sustentáveis e preservação ambiental, também foi mencionada como uma medida necessária para equilibrar produção e conservação.
Reflexões finais
O agronegócio brasileiro carrega contradições profundas que questionam sua sustentabilidade social e ambiental. Ele é tanto um motor econômico quanto um vetor de desigualdades e degradações. A discussão do grupo enfatizou que é crucial compreender as diferentes formas de produção e seus impactos, mas, mais do que isso, é necessário fomentar mudanças culturais e institucionais.
Uma mudança de paradigma envolve desafiar narrativas consolidadas, como o slogan "o agro é pop", e questionar as estruturas de poder que sustentam o modelo atual. Isso demanda uma mobilização social que vá além da mera adaptação técnica, alcançando transformações políticas e culturais que valorizem práticas sustentáveis e inclusivas.
Por fim, o grupo concluiu que a vulgarização científica dessas reflexões é essencial. Tornar acessível esse debate é um passo importante para engajar diferentes setores da sociedade em um diálogo mais amplo sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro e os caminhos possíveis para um futuro mais justo e sustentável.
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